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Milton Nascimento explica cada uma das faixas de seu mais recente trabalho

Durante uma sessão de entrevistas em sua casa, no Rio de Janeiro, Milton falou sobre as 16 músicas do novo disco

"... E a gente sonhando" (Milton Nascimento)

Essa foi uma das primeiras canções que eu fiz música e letra. Antes disso, eu fazia as músicas e o Márcio Borges fazia as letras. E quando eu trabalhava como datilógrafo no escritório de Furnas (no centro de BH), eu fiz duas músicas batendo a máquina: "Canção do Sal" e "... E a gente sonhando". E esta última, eu nunca havia pensado em gravar, somente a Alaíde Costa e mais uma cantora de Beagá chamada Gisela haviam gravado. Até que, um dia, fizeram uma homenagem pra mim em Três Pontas e montaram um circo na Praça Travessia, que fica em frente à casa dos meus pais, onde se apresentaram várias bandas, todas de 3Pontas. E a última banda a se apresentar foi a de um afilhado meu, Pedro, que tocou junto com um cantor chamado Bruno Cabral, que me deixou muito assustado pela qualidade vocal. Então, na hora eu pensei: "Que coisa mais maluca! De onde saiu esse rapaz cantando desse jeito?". E convidei o pessoal todo - inclusive ele - para irem à casa da minha irmã. Foi quando eu tive a idéia de também convidar ele para gravar "... E a gente sonhando" comigo no disco. E esta música é como um chamado para que os outros músicos de Três Pontas também viessem junto com a gente, é por isso que ela é a primeira música e também o nome do disco. Mas a música mesmo foi inspirada numa época (começo dos anos 1960) em que eu andava muito com o Márcio Borges pela Rua Rio de Janeiro, também no centro de Beagá. E esta é uma rua que exercia uma mágica na gente, as pessoas, as casas, os prédios... Então, quando eu estava no escritório e comecei a bater a letra na máquina, foi a Rua Rio de Janeiro que veio na minha cabeça.

"O Sol" (Antônio Júlio Nastácia)

É uma música que ficou muito conhecida com o Jota Quest. E o que ela diz tem muito haver comigo e com meus amigos. Porque ela significa vida, alegria e todas as verdades que a luz do sol traz pra gente.

"Raras Maneiras" (Tunai e Márcio Borges)

Aqui em minha casa, no Rio de Janeiro, eu sempre faço uma reunião de músicos, uma Jam Session mesmo. E quando vem o Tunai, ele costuma dizer assim: "Olha, eu só vou cantar duas músicas". Mas daí ele começa às dez da noite e só termina lá pelas seis da manhã (risos). E Raras Maneiras é uma das músicas preferidas da minha irmã, Beth Campos, então não poderia ficar de fora.

"O Ateneu" (Milton Nascimento e Fernando Brant)

Esta é uma música que eu fiz para uma peça de mesmo nome baseada no livro de Raul Pompéia, e que foi encenada aqui no Rio de Janeiro sob a direção do Carlos Wilson. E esta história tem muito haver com um lance real que aconteceu num colégio de Caraça (MG), onde os meninos também cansados dos maus tratos botaram fogo na escola, exatamente como aconteceu na história do Raul Pompéia. "O Ateneu" jamais havia sido gravada, e foi executada somente nesta peça. E em 2010 deu uma reviravolta na minha cabeça de querer gravar as músicas mais antigas que eu nunca havia gravado

"Me faz Bem" (Milton Nascimento e Fernando Brant)

É uma canção de amor que eu entreguei para a Gal Costa gravar. E eu nem lembrava mais dela, até que um dia eu estava na casa do Jorge Vercillo, e a mulher dele, Gabriela, me pediu que eu cantasse esta música. E depois que eu terminei de cantar, eu percebi que a música tinha mexido muito com ela, e comigo também. Por isso eu decidi gravar, mas só contei pra ela depois que já estava gravada.

"Flor de Ingazeira" (João Bosco e Francisco Bosco)

Foi uma música que eu ouvi quando saiu o disco do João Bosco para o songbook do Almir Chediak. E eu gostei tanto da música que comecei a cantar alguns trechos dela na turnê que eu fiz com o Gilberto Gil, entre 1999 e 2001. Eu fazia isso numa hora do show em que o Gil ia trocar de instrumento, e eu cantava "Flor de Ingazeira" à capela. Depois do show, sempre alguém vinha me perguntar que música era aquela. E eu sou tão apaixonado nela que agora decidi gravar.

"Estrela Estrela" (Vitor Ramil)

Há muito tempo atrás, antes de algumas pessoas gravarem, Kleyton e Kledir trouxeram essa música e me disseram que o Vitor Ramil havia feito para eu cantar. Mas como eu estava envolvido em outros projetos acabei esquecendo da música. Anos depois, eu estava com o Marco Elízeo - co-produtor do disco - e ele cantou "Estrela Estrela" pra mim, e assim que ele terminou eu já decidi que esta música também estaria no disco. Ramil escreveu uma coisa linda, que mexe com todo mundo que escuta.

"Espelho de Nós" (Milton Nascimento e Fernando Brant)

Outra música feita com o Fernando Brant. E ela fala das pessoas que trazem coisas boas pra gente, e quando essa coisa é muita boa ela "vem vestida de céu", como diz a letra. É uma canção que fala de amizade.

"Advinha o quê" (Lulu Santos)

Eu sou muito fã do Lulu Santos, e eu já havia gravado uma música dele no disco Crooner (2000). E desde quando eu ouvi "Advinha o quê" pela primeira vez ela nunca mais saiu da cabeça. E eu gravei agora acompanhado de um trio de metais formado por Vittor Santos (trombone), Nelson Oliveira (trompete) e Widor Santiago (saxofone). Só espero que o Lulu goste.

"Amor do céu, amor do mar" (Flavio Henrique/Milton Nascimento)

Como todas as músicas que eu faço, eu retrato minha vida, o que eu estou vivendo, o momento, as pessoas e tudo mais. E teve uma época que eu estava com um problema de saúde e todas as noites eu sonhava com a Elis Regina. E ela vinha, e tinha sempre um jantar na casa dela, mas ela não cantava, e eu ficava pedindo pra ela cantar e ela não cantava. Mais tarde, quando a gente estava fazendo os Tambores de Minas, uma criança falou que tinha visto dois anjos no palco comigo. E eu senti que nesses sonhos a Elis também estava com dois anjos. E foi uma história muito louca, porque alguém (que tem o dom de reconhecer as coisas) falou pra mim que eu era muito forte porque tinha dois anjos da guarda. E eu não entendi porque, pelo que eu saiba, cada um tem um anjo da guarda. Até que, um dia, minha sobrinha Dadaia chegou e me deu um cartão com meu anjo, o Jeliel, e quando eu olhei, eram dois anjos. Então, "Amor do Céu, Amor do Mar" tem tudo isso, mas também tem outra coisa. Eu adoro água, mar, e essa coisa de mergulhar me ajudou muito na minha vontade de viver. Janaína é o amor do mar, assim como Elis Regina e os anjos, amor do céu.

"Olhos do mundo" (Marco Elízeo e Heitor Branquinho)

Música do Marco Elízeo e letra do Heitor Branquinho. E eu conheci essa música na época em que a gente já estava gravando. E as músicas do disco que são dos meninos de Três Pontas, eu dividi os vocais com alguém, e "Olhos do Mundo" eu cantei com o Heitor.

"Resposta ao Tempo" (Cristovão Bastos e Aldir Blanc)

Essa é dose. Desde a primeira vez que eu ouvi "Resposta ao Tempo", eu não acreditava que alguém pudesse ter feito uma música tão bonita. E eu dedico esta gravação a Ana Paula Arósio e ao Rodrigo Santoro, que foram os protagonistas do seriado Hilda Furacão, onde apareceu essa música. E eu sempre quis cantar ela de qualquer jeito, e só agora com os meninos de 3Pontas é que eu decidi gravar. Então foi uma coisa que me deixou muito feliz, e eu não ficaria tão feliz se não tivesse gravado essa música.

"Gota de Primavera" (Pedrinho do Cavaco e Milton Nascimento)

De repente aparece na minha vida uma criança de uns seis anos, o Pedrinho do Cavaco. E depois de eu ter batizado o Pedrinho, ele me pediu para aprender piano. E depois de alguns anos de estudo, ele fez essa música que agora eu coloquei a letra.

"Sorriso" (Milton Nascimento)

É uma coisa que também faz parte da minha história. Eu estava numa fazenda em Três Pontas, junto com minha irmã Beth, e havia várias pessoas fazendo um som. Até que o sorriso de um menino me chamou muita atenção, porque eu adoro criança. E eu não podia deixar passar isso, porque sorriso nesse momento é o que a humanidade está mais precisando. E quando eu cheguei em casa decidi escrever sobre isso. Aí dois amigos meus que são padres (Paulo e Edu), me contaram de um monge dominicano alemão que morava na França e que escreveu umas coisas sobre o sorriso. Então eu peguei essa citação do monge e também coloquei no disco.

"Eu Pescador" (Clayton Prosperi eHaroldo Jr)

Uma das idéias do Marco Elizeo foi da gente gravar essa música composta por dois meninos de 3Pontas. E tinha um amigo nosso que adorava essa música, mas infelizmente ela já não está mais com a gente, morreu muito jovem. E quando eu ouvi, eu descobri porque o garoto gostava dela. É muito bem feita, emocionante.

"Do Samba, do jazz, do menino e do bueiro" (Ismael Tiso Jr e Miller Rabello de Brito)

Essa meninada é muito forte, muito legal. E realmente eles sabem o que a música representa na vida de todos nós. E tem um guitarrista que gravou no disco comigo, o Ismael Jr, que fez essa música junto com o Miller. E eles falam sobre uma coisa que está acontecendo muito hoje em dia nas grandes cidades, porque uma hora você olha uma coisa tão bonita quanto a paisagem, e daqui a pouco a paisagem se transforma num inferno. Porque as pessoas jogam lixo nas ruas,"entopem os bueiros" e dá uma confusão. E quando a gente foi gravar essa música, estava acontecendo justamente isso aqui no Rio de Janeiro. Nesse disco, tudo que tem aí, tem haver. E o Ismael, poucas vezes eu vi uma criatividade tão grande pra guitarra.


Rio de Janeiro, Bairro Itanhangá, 27 de agosto de 2010

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Danilo Nuha
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