NOTÍCIAS

DIÁRIO DE ESTRADA: BITUCA'S TRIP Nº 1 - RIO DE JANEIRO (RJ) - ABRIL 2010

Esta série é um recorte narrativo e informativo de algumas viagens de Milton Nascimento e sua equipe. Este projeto jornalístico, em forma de "diário de viagem", faz parte do Site Oficial do artista. O responsável pelos textos é o jornalista e assessor de imprensa de Milton Nascimento, Danilo Nuha. Durante o ano de 2010, Danilo acompanhará Milton Nascimento, sua trupe de músicos, técnicos, parentes e amigos em algumas travessias de som e delírio pelos confins do Brasil.

__________________________________________________________________

Ficou combinado com a produção que Milton Nascimento entraria no palco do Viradão Cultural Carioca às 21h30. '

Era domingo, 25 de abril de 2010. O vento batia fresco no cais da Praça XV, centro do Rio de Janeiro. Milton ouvia música na sala de sua casa, no bairro Itanhangá. Era cinco da tarde e estava acompanhado da amiga Teca Fichinski, uma das responsáveis pelo figurino do projeto Tambores de Minas (1998).

Esta era a primeira vez que eu - no posto de assessor de imprensa - iria acompanhar Milton num show. Como fã, já tinha assistido a três apresentações: Corumbá (MS), 2004; Tokyo, 2007 (quando tive a chance de entrevistá-lo); e Bangu (RJ), 2009. Assim que terminei de cumprimentar Milton e Teca, ainda na sala, chegou um aviso da portaria de que o carro do "Viradão" já estava pronto para partir. Nele foram Milton, Teca e o músico Pedro Bernardo. Em outro carro foram o motorista Josué, o cozinheiro-segurança-enfermeiro Alexandre e eu.

Da zona oeste até o centro da cidade foram pouco mais de 40 minutos. Quando os carros passaram por trás do palco montado na Praça XV, já dava pra ver a multidão que se aglomerava a partir da entrada das barcas para Niterói. Pelo rádio, o produtor já passava algumas informações:
.. ..

"Olha só, Alexandre, o Paulinho (empresário do Milton) está lá na frente esperando por vocês. Então vocês podem ir tranquilo que está tudo certo".
.. ..

Minutos depois, os dois carros pararam exatamente atrás do palco, a poucos metros do camarim. No caminho, o som de Geraldo Azevedo dominava o ambiente. Milton iria se apresentar logo depois dele.

Já estava tudo preparado quando a equipe chegou ao camarim, e assim que Milton começou a fazer os primeiros exercícios de voz com a fonoaudióloga, as portas foram fechadas. Enquanto isso, dei uma volta no saguão que dava acesso aos camarins. Ali assisti a um desfile apressado de músicos, técnicos, roadies, produtores, artistas e jornalistas. Fiquei no local até o fim da apresentação de Geraldo Azevedo. Depois, segui em frente e parei na porta dos camarins.

E se minha intuição estivesse certa, Geraldo passaria para dar um abraço em Bituca. Deixei o gravador ligado e, no momento que eu menos esperava, Geraldo passou tão rápido por mim que quando percebi, ele já estava abraçando Bituca no camarim. Assim que eles começaram a conversar, deixei o gravador na mesa e tirei algumas fotos do encontro. Durante pouco mais de quinze minutos, eles se divertiram bastante ao relembrar histórias do Rio de Janeiro no fim dos anos 1960, quando se encontraram pela primeira vez. Mas antes que Geraldo fosse embora, perguntei se eu poderia gravar um depoimento dele sobre Milton. Geraldo, sempre atencioso, pediu que eu fosse até seu camarim, onde deu a seguinte declaração:
.. ..

"Milton eu conheci logo que cheguei ao Rio. Eu vim pra cá convidado pela Eliana Pittman pra fazer um show no final de 1967, no mesmo ano em que Milton tinha sido revelado nos festivais. Foi quando ele mudou o cenário da música brasileira e, pelo menos a mim, ele influenciou de uma maneira fantástica. Milton me deu outra dimensão, até pelo fato dele ser também um pouco sertanejo. Eu também vim do Sertão. Então eu fiquei logo amigo dele, Milton morava com um dos músicos que tocava com ele e com a Eliana ao mesmo tempo. Ele ficava muito próximo da gente, porque todos nós morávamos em Copacabana. Ele foi o primeiro da nossa turma a gravar um disco. Quando ele morou na Rua Xavier da Silveira, foi outra coisa marcante pra mim, porque o apartamento dele era quase como se fosse um clube cultural, pois era uma reunião de músicos de várias partes do Brasil. Eu me lembro que a gente se encontrava quase diariamente, Joyce, Danilo Caymmi, Edmundo Souto, Eduardo Conde, Mauricio Maestro, Zé Rodrix, Hélvius Vilella e eu. Nesta época, conheci muitas músicas do Milton, antes mesmo de serem gravadas, algumas ainda sem letra. E este foi um tempo mestre, pois a partir da convivência com o Bituca, conheci muita gente. Ele era um ídolo pra mim. Ele mudou a concepção harmônica da nossa visão musical. Eu, que vinha do Nordeste, com essa coisa do forró, ampliei meu universo com isso. O Bituca é uma coisa fora de série. Ele e João Gilberto foram os meus mentores mais importantes"...
.. ..

Terminei a entrevista com Geraldo e saí correndo em direção ao palco. Darck Fonseca - roadie do Milton - e os técnicos Ronaldo Lima e Marcos Gil, aguardavam o início do show. Eu fui colocado do lado direito do palco, junto com o produtor Carlão, que me apresentou a mais uma função que passaria a desempenhar além do trabalho na assessoria: operador de teleprompter.

Passava das 21h30 quando o locutor se aproximou do palco para anunciar a próxima atração. As luzes se apagam. O pianista Kiko Continentino é o primeiro músico a entrar, seguido pelo guitarrista Wilson Lopes. Depois, entraram Lincoln Cheib, na bateria e Gastão Villeroy, no contrabaixo. A multidão, ao perceber os músicos no palco, começou a gritar o nome de Milton. A Praça XV já estava tomada. As luzes correm para o centro do palco, de onde surgem os primeiros acordes de "Paula e Bebeto". Milton na roda, delírio. O público se excita; aplausos, gritos, bandeiras. A banda ataca. O povo participa. É assim que Milton gosta. E nada melhor do que um show aberto em plena Praça XV para chegar exatamente onde o povo está.

Sendo assim, Milton não poderia fazer outra coisa que não fosse dar o melhor de si: Bola de Meia, Caçador de Mim, Cravo e Canela, Certas Canções. E mesmo após o bis, o povo queria mais de Milton, e ele, como sempre, atendeu. Maria Maria era o estopim que faltava pra incendiar de uma vez o público. Depois dessa, Milton deixou o palco ouvindo seu nome sair da boca de quase dez mil pessoas que passarem pela Praça XV naquela noite. Com certeza, voltaram pra casa com um toque diferente. Um toque de luz, um toque de alma, um toque de Milton.


Danilo "Japa" Nuha
Assessoria de imprensa
Nascimento Música
danilo@miltonnascimento.com.br
(01/06/2010)

(Colaborou o jornalista Bruno Tasso, editor do Jornal Humanidade)