TURNÊS

25 ANOS DE TRAVESSIA

"Nascimento transcends sound barrier", anunciava a manchete do "The Boston Globe", ao comentar a tournée 1986, que levou mais de 100 mil pessoas a espetáculos realizados em 21 cidades dos Estados Unidos, Canadá, França, Dinamarca, Inglaterra e Espanha.


Se a voz de Milton é capaz de transpor a barreira do som, como afirma o jornal, o sucesso de seu trabalho, sobretudo após essa excursão pelo exterior, após essa excursão pelo exterior, transpõe limites importantes para a música brasileira, que contagia públicos de todas as línguas e idades e mostra uma arte de linguagem universal, sem perder a força que nasce das raízes brasileiras.

"Cantar era buscar o caminho que vai dar no sol" (Nascimento e Brant). Essa busca, iniciada nos anos 60 em Belo Horizonte, sempre foi persistente e, muitas vezes, árdua. Hoje, passados mais de 20 anos, platéias de todos os recantos do Brasil, do Oiapoque ao Chuí; de várias regiões dos Estados Unidos - "Coast to coast"-, ou de diversos países de todo o mundo se empolgam quando ouvem o canto de Milton e podem vê-lo iluminado numa trajetória que "vai dar no Sol". Ou no coração de qualquer pessoa, em qualquer parte do globo, que busque, honestamente, os valores verdadeiros e permanentes da vida. "Minha música é minha vida e minha vida é cantar o que eu tenho mais dentro de mim", diz o artista.

Nos Estados Unidos - com apresentações em Austin, Los Angeles, San Francisco, Denver Detroit, Chicago, Washington, New York (2 noites) e Boston - Milton encontrou sempre teatros lotados e mais: o seu LP "Encontros e Despedidas", que ocupava o 32º lugar da seção de Jazz na "Billboard" subiu, em apenas 3 semanas para o 7º posto entre os mais vendidos nos Estados Uniddos. Uma façanha inédita, se considerarmos que o disco foi totalmente produzido no Brasil e gravado em português.

O sucesso ainda lhe reservava outras surpresas na América do Norte. Os maiores nomes do Jazz da atualidade, como Wayne Shorter, Herbie Hancock, Chick Corea e Bob McFerrin não deixaram escapar a oportunidade: conhecedores da qualidade do trabalho de Milton, muitos não hesitaram em subir com ele aos palcos e emprestar em seus talentos, tocando juntos em diversos shows. O mesmo aconteceu em Montreal, no Canadá, onde Milton participou do "International Jazz Festival", aberto pela fantástica Ella Fizgerald.

O céu de Copenhague estava nublado e um vento fresco soprava na imponente Praça do Parlamento. Mas esses sinais não foram capazes de impedir que 14 mil pessoas enchessem a praça à espera de Milton Nascimento. Um público muito especial para Milton, que se apresentava pela quarta vez na Dinamarca, num país de cultura bem distinta da nossa e em Copenhague, cidade encantada, digna de seu Tivoli Park e do mágico contador de histórias, o imortal Andersen. O espetáculo durou mais de uma hora e aconteceu debaixo de uma chuva torrencial. Mas o show seguiu adiante, ninguém arredou pé. Ficou até mais bonita a praça, colorida por milhares de guarda-chuvas de um povo que dançava ao som de "Maria Maria" ou "Nos Bailes da Vida". Em todos os jornais e nas televisões, espaços justos e generosos para aplaudir a força da música brasileira. Num deles, um título curioso: "Quatorze mil pessoas no show molhado".

Em Paris, Milton participou do Festival Coleurs Bresil, promoção conjunta dos ministérios da cultura do Brasil e da França. Quando chegava ao Teatro Zenith, Milton deparou-se, mais uma vez, com o amigo e "brother Wayne Shorter", mais uma vez com o seu sax pronto a entrar em ação. Depois, no sul da França, numa cidade chamada Vienne, um espetáculo num imenso anfiteatro romano, com suas arquibancadas de pedras seculares. Na noite escura, a multidão assistia ao show em silêncio. A voz de Milton cortava a noite e se aninhava nos corações, fluía pelas veias e artérias e, ao final, explodiu por todos os poros, fazendo com que as pessoas dançassem e cantassem juntas, iluminando a noite com milhares de pequenas luzes, feitas com fósforos e isqueiros. As altas arquibancadas se confundiram com o céu e, naquela noite, Vienne ficou mais estrelada.

Em Londres, onde se apresentou pela primeira vez, a expectativa era grande. Mas não foi diferente ali. Chovia na noite do show, mas o Odeon Hammersmith Theatre estava lotado. Nos bastidores, antes do show, Milton recebeu o abraço do Sting, cheio de votos de sucesso. E durante o show, um registro consolidava o êxito: bem à frente, numa das primeiras filas, Milton recebeu o aplauso de um inglês especial: Mick Jagger.

Na Espanha, muito calor. Em Barcelona, em Madrid, em Ávila, Segóvia, Valência, Avilés...Mas o calor maior era o do coração das pessoas. Calor também na voz mediterrânea de Maria Del Mar Bonet, uma cantora espanhola da região da Catalunha, sucesso pela bonita voz e pela força das músicas que canta. Músicas que falam de coisas simples e profundas: coisas da vida do povo de sua terra, coisas do coração. Ela e Milton se apresentaram juntos. E Milton apresentou também, além de sua banda, o grupo mineiro Uakti. Em Madrid, nos Jardins do Palácio Real, abertos especialmente para o show, mais uma participação especial: Pat Metheny, que estava em Roma, ao saber da apresentação de Milton em Madrid, tomou um avião e trouxe sua fantástica guitarra para o show. Aplausos por toda a parte. Delírios mesmo do público.

De pé. Com bis e festa varando a noite ibérica.
Mais uma vez a verdade se confirma: 'todo artista tem de ir aonde o povo está"
(Nascimento e Brant).

MUITAS EXCURSÕES
A última excursão de Milton Nascimento começou aqui no Brasil, com shows em São Paulo (Ibirapuera - quarenta e cinco mil pessoas), Rio (Inauguração da Praça da Apoteose oitenta mil pessoas) e Belo Horizonte (Praça do Mineirão - cento e trinta mil pessoas). Saindo de tamanho sucesso, o resultado no exterior não poderia ser diferente: uma vez mais a música popular brasileira encantou o mundo. Começando por Nova York, no Carnegie Hall, onde pela primeira vez um músico brasileiro se apresentou sozinho. Por duas noites o Carnegie Hall, completamente lotado, viu o fenômeno que o jornal "New York Times" havia chamado atenção na primeira página de sua edição de fim de semana. No show de sábado à meia-noite, um dos mais tradicionais de Nova York, onde a presença de outros artistas é comum, Milton Nascimento terminou com uma das mais longas ovações já vistas no velho Carnegie Hall. O palco coberto de flores americanas dava o tom do sucesso brasileiro. No domingo, novamente a apoteose e a consagração de um dos mais perfeitos artistas da música contemporânea, segundo os críticos americanos. Com a repercussão e comentários ainda muito fortes (foi entrevistado pelos mais importantes jornais e revistas dos Estados Unidos), Milton partiu para Quebec, como a primeira personalidade brasileira oficialmente convidada, participando das comemorações do 400º aniversário daquele Estado. Foi recebido pelos prefeitos de Montreal, Quebec e Lac Beauport, onde recebeu a Medalha de Mérito Cultural. Ali Milton recebeu várias propostas para residir no Quebec. O próximo passo foi a Europa, na adorável Dinamarca, que tão bem acolhe Milton. Carinhosamente ele retribuiu com uma música homenageando aquele país. Em Copenhagen (sempre que chega é convidado de honra do capitão Kay Sorensen para passeios por ilhas dinamarquesas no mar do Norte), Milton fez dois shows no Montmartre, santuário de jazz onde se apresentam nomes famosos de todo mundo. Wagner Tiso e sua banda abriram a temporada. Depois de Copenhagen, Milton partiu para descobrir novos mercados: na Alemanha, que nos parecia fria e exigente. Frankfurt, aliás a Alta Ópera de Frankfurt, onde aconteceu nova surpresa: casa cheia e muita vibração num show transmitido por emissoras de rádio. Aí também Milton volta ao palco várias vezes, sob calorosos aplausos. Viena, berço da música, com seu Danúbio Azul, foi o show seguinte. Sala Franz Schubert, onde Gustav Mahler apresentou muitas de suas obras, Milton fez dançar e cantar senhoras de peles e casacos, senhores sisudos até então, num concerto transmitido ao vivo pela rádio de Viena. Paris, cidade aberta para o mundo, recebeu-o para um show no seu novo espaço: Le Zenith, ginásio acrílico para doze mil pessoas, onde num espetáculo de luz, Milton reacendeu a magia sempre presente em seus espetáculos parisienses - esta é a sua quinta temporada em Paris, tendo, em 80, feito 15 dias no Theatre de La Ville. Berço paterno de nossa civilização, a Espanha foi a nova casa. Convidado oficial do Ministério da Cultura Milton mostrou pela primeira vez na Espanha sua voz e sua raiz ibérica. Participante de honra, no ano em que o governo espanhol homenageia nossos irmãos cubanos, através do projeto "Llegó La Salsa", Milton se apresentou cinco vezes. A primeira apresentação se deu em Barcelona, na Praça D'el Rey, onde Isabel de Castela recebeu Colombo, após a descoberta da América. Nesse show, carregado de sentimento e emoção, milhares de pessoas se comprimiram pelas históricas ruas do Bairro Gótico, enquanto Milton, magistralmente, fez ecoar sua voz pelas sentidas e caras paredes do Palácio Real, provocando arrepios na imensa platéia. Esse show teve sua duração triplicada pela emoção generalizada. Em alguns momentos, cinco gaivotas que habitam o Palácio sobrevoaram Milton e sua magnetizada platéia. Em Barcelona, fez ainda uma apresentação para a televisão Catalã. Depois do já antológico show de Barcelona, Milton se apresentou em Madrid, como um astro já conhecido na Espanha, lotando o ginásio do Real Madrid. Nas ilhas Canárias, em Santa Cruz do Tenerife, Milton fez um show na praça de touros, onde, surpreendentemente, a platéia local acompanhou-o dançando suas músicas. A última apresentação espanhola foi em Alcalá de Henares, terra de Cervantes e seu Don Quixote de La Mancha. Cidade universitária e tradicionalmente jovem, com seu "Julio Cultural", preparou a carinhosa despedida de Milton. Roma e o seu festival brasileiro receberam Milton Nascimento e seu grupo no Foro Itálico, para um show ao ar livre, transmitido pela Rádio e Televisão Italiana, com uma platéia de mais de sete mil pessoas na primeira apresentação do artista em solo italiano. A repercussão do show continuou através de várias matérias na imprensa italiana. O Festival de Nice, dedicado esse ano à cultura brasileira, por iniciativa do Ministro Jack Lang, teve na sua abertura um recorde de público nos seus quinze anos. A apresentação de Milton Nascimento foi vista por milhares de franceses, ao vivo, pela televisão que transmitiu o evento. Durante sessenta e cinco dias de excursão, em apresentações que o consagraram um artista do mundo, Milton Nascimento mostrou-se como toda uma música, todo um canto vindo do país do sol, carregando na sua imensa voz de mineira tranqüilidade, a luz das estrelas, a alegria da dança dos pássaros que só as crianças podem guardar.
SUCESSO EM T0D0 MUNDO, MILTON É BRASIL.