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Wayne Shorter e Milton Nascimento relembram os bastidores da gravação de Native Dancer

A entrevista, realizada pelo jornalista Jotabê Medeiros, foi publicada neste último dia 13 de maio de 2011

Numa reportagem especial para o Jornal Estado de São Paulo, Milton e o músico norte-americano Wayne Shorter - que vai fazer dois shows no Brasil em junho - contaram sobre o ambiente que envolveu a gravação do disco Native Dancer (1974).

"Gravamos o disco em uma semana, e tudo demorou 10 dias, entre produção e mixagem. Eu me lembro que foi pouco antes do Natal de 1974. Minha mulher me falava muito de Milton, e eu o tinha encontrado no Rio. Eu o chamei e ele não hesitou, veio com sua banda. As sessões de gravação foram em Santa Mônica, na Califórnia, no mesmo estúdio onde o Steely Dan gravou Naja. Foi tudo uma grande festa. Havia muita gente lá. A atriz Rachel Welch acompanhou. O cara dono do estúdio era casado com a atriz Leslie Caron, que fez Um Americano em Paris com o Gene Kelly. O engenheiro de som era casado com uma filha do Ingmar Bergman, e ela também estava lá. Essa era a atmosfera. Nós começamos a tocar e logo estabelecemos amizade e confiança mútuas. O Herbie Hancock estava gravando naquele momento a trilha de Death Wish, com o Charlton Heston, e o Herbie toca no disco. Foi um momento muito especial. O disco é importante porque mostra como aproximar duas visões da música sem que nenhuma delas seja submissa à outra. Nós não queríamos que Milton imitasse o jazz, e eu não conseguiria imitar o Milton. Conseguimos fazer algo muito complementar"- declarou Wayne para o Estado, numa entrevista por telefone de sua casa na Califórnia.

Também para o Jornal Estado de São Paulo, Milton lembrou de outros acontecimentos: ele e sua banda estavam, por volta de 1972, fazendo uma temporada do Blues de Esquina num teatro no Rio, na Lagoa Rodrigo de Freitas. "Sempre fui adepto sacramentado de Miles Davis. Naquele ano, o Weather Report veio tocar no Rio, e o Wayner Shorter chegou perguntando "Onde está o Milton Nascimento?".

Segundo Milton, os promotores do show de Wayne não iam com a sua cara, e mentiam dizendo que ele provavelmente estava no Norte do País, fazendo shows "na selva". Mas esqueceram de um detalhe: a mulher de Wayne na época, Ana Maria, falava português e leu no jornal que Milton, Lô Borges, Beto Guedes e o pessoal do Clube da Esquina estavam no Rio. Saiu gritando: "Wayne, o Milton tá no Rio".

"Quando soube que o Wayne Shorter estava na plateia, eu disse: então não vou entrar", lembra Milton. Mas entrou, e ele diz que, a partir dali, durante toda a temporada, o grupo de Shorter encurtava os próprios shows para ir até o teatro da Lagoa para ver o de Milton. "Foram todos os dias. Até que o Wayne chegou pra mim e perguntou: Quer ir gravar comigo nos Estados Unidos? Eu: Mas claro."

Dois anos, depois Milton receberia um telefonema. "Milton? It's time!", dizia a voz do outro lado. "Praticamente, aquilo salvou a minha vida. Eu ia para a Itália, gravar o Sentinela com uns frades italianos. Tava tocando com o Som Imaginário, e tudo era pura confusão. Tava um quiprocó danado", conta.

Shorter voltou a ligar para combinar detalhes e perguntou se Milton gostaria de levar alguém. Ele disse: Wagner Tiso e Robertinho Silva. Foram a Nova York e flanaram pela noite enquanto a gravação ia sendo agendada. Um dia, num clube, era aniversário do Chick Corea e alguém pediu para Milton tocar. Ele tocou Ponta de Areia, mas nenhum dos músicos presentes conseguiu acompanhá-lo. "Caramba, derrubei o povo!", lembra Milton.

Aí ele se virou para Shorter e disse: "Quando gravarmos o disco quero que essa seja a primeira música do Lado A". Shorter riu: "Você faz uma música que parece de criança e aí é uma complicação danada", brincou. Então, foram para a Califórnia gravar. O produtor era Jim Price, dos Rolling Stones. E o resto já se sabe. "Quando o disco saiu, foi uma loucura", conta Milton. "Quase 10 anos depois, eu estava em Los Angeles e um cara na piscina me chamou. Fui ver o que era. Era o Maurice White, do Earth Wind and Fire, que disse que me chamou para me agradecer. Disse que a banda dele nasceu após ele ouvir as sessões de gravação do Native Dancer. Ele estava lá ouvindo, eu só soube muito tempo depois."

Nascido na cidade de Newark (New Jersey) em 1933, Shorter estudou com John Coltrane. Budista, foi com os princípios filosóficos da religião que enfrentou a perda da mulher, a portuguesa Ana Maria, morta num acidente aéreo em 1996. Casou-se de novo, com a brasileira Carolina. Integrou os Jazz Messengers de Art Blakey, tocou com Horace Silver, Miles Davis, Maynard Ferguson e astros do rock, como Rolling Stones, Joni Mitchell e Santana. Ganhou 8 prêmios Grammy, como compositor (1987, 1997 e 2003), solista (1999) e performer (1979, 1994, 1996 e 2003). Em 1970, com Joe Zawinul, criou o Weather Report, sinônimo de jazz fusion, escola de rupturas.

Serviço:
Wayne toca com um quarteto no dia 10 de junho, às 21 h, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, astro maior da primeira edição do BMW Jazz Festival (apresenta-se também dia 13, às 21 h, no Rio).

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Danilo Nuha
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